20 de fev. de 2016

A IGREJA PRIMITIVA E A ASSISTÊNCIA SOCIAL

“Aconteceu, depois disto, que andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, 2  e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; 3  e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens.”. Lc.8.1-3.
OBJETIVO.
O presente sermão procura descrever a importância das atividades de assistência social no âmbito da igreja primitiva e de que forma essas atividades podem servir de referência a igreja atual.
INTRODUÇÃO.
Destacamos fundamentalmente o testemunho solidário e assistencial que predominava como “marca do cristianismo” nos primeiros séculos, bem como descrição de suas formas de solidariedade praticadas pelo mesmo no decorrer destes anos; entre eles: o batismo, o ágape, o socorro nas epidemias, a hospitalidade, caixa comunitária, coletas, o sepultamento e o testemunho da diaconia.
Todo princípio solidário baseava-se no seguinte versículo:
Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gn.1.27.
Ora, se todo ser humano é a imagem e semelhança de Deus, logo é um dever cristão impedir que a imagem de Deus seja desconsiderada no tratamento de sua dignidade. Portanto, a assistência ao necessitado é uma forma de glorificar a Deus cuidando de sua imagem e semelhança.   
DESCRIÇÃO:
  1. BATISMO:
Indubitavelmente, o batismo é um dos sacramentos mais importantes da história da Igreja; tinha função de incorporar novos membros à mesma. Os candidatos ao batismo recebiam instruções éticas e práticas em relação à fé cristã (catequese/discipulado); tal candidato era apresentado por um membro da comunidade chamado “padrinho ou madrinha” ao catequista que o instruía aos princípios éticos da vida cristã como: cuidar dos pobres, amparar o órfão, a viúva, etc. Uma vez recebidos, podiam participar dos ágapes, porém não da “Santa Ceia”, a qual só participava quando fosse devidamente aprovado e aceito como cristão autêntico na comunidade.
Os cristãos não agiam de forma improvisada, mas organiza a comunidade,distribuindo as tarefas entre os membros, de acordo com o que cada um sabia fazer melhor.
2. SANTA CEIA:
Outro dos cerimoniais mais importantes da igreja primitiva era o ágape; o qual se tratava de um jantar comunitário administrado pelos diáconos que representava comunhão cristã tanto no cerimonial de Cristo (eucaristia ou Santa Ceia) quanto cumpria com uma função social que visava o suprimento daqueles cristãos mais necessitados com seu alimento diário entre a comunidade da fé.
Os membros da comunidade traziam alimentos e outros bens para partilhar entre os demais, com o objetivo de suprir os irmãos necessitados. Quem tinha mais, trazia mais. Dos alimentos trazidos, separava-se o pão e o fruto da videira pelo qual se dava graças, com vistas à celebração da Ceia do Senhor.
O termo comunhão [Koinonía] refere-se à prática da partilha de bens. Esta prática se fazia necessária, dada a realidade de que a grande maioria dos membros se constituía de pessoas pobres. No caso da comunidade de Jerusalém, a maioria se constituía de escravos, diaristas, mendigos, artesãos.
Nessa função social, a comunidade acolhia e dava suprimento àqueles irmãos que realizavam viagens ministeriais. Com o passar do tempo, houve a separação do ágape e do sacramento da Santa Ceia, perdendo, portanto, o ágape o aspecto sacramental e a eucaristia o aspecto social.
3. O SOCORRO NAS EPIDEMIAS:
Uma característica cristã era o socorro nas epidemias; prática exclusiva do cristianismo naquele período que dava assistência aos enfermos sem distinguir se eram cristãos ou não; tais auxílios nos períodos de pragas e mortandades colheram muitos cristãos vitimados pela peste, porém faziam um serviço comunitário que recebia louvor até dos pagãos; assim mesmo desconhecendo a solução do problema detinham a proliferação das próprias epidemias.
O bispo Dionísio de Alexandria(falecido em 265) escreve sobre a peste que atingiu sua cidade e relata que os cristãos cuidaram dos doentes, sem fazer distinção entre cristãos e nãocristãos. Segundo seu relato, os pagãos fugiam das pessoas infectadas, inclusive dos seus familiares, abandonavam os moribundos e deixavam os mortos jogados. Muitos cristãos morreram nesses cuidados, inclusive presbíteros, leigos e diáconos. Tomavam os moribundos no colo e no momento da morte “fechavam-lhes os olhos e a boca”. Preparavam os corpos com banho e os enterravam, e muitas vezes, os sucediam na morte (Eusébio, História Eclesiástica VII, 22, p. 467-470).
4. A HOSPITALIDADE:
A hospitalidade era outra prática comum naquele período, cujos cristãos abriam seus lares como locais de encontro e convívio da grei, gerando nisto expansão da comunidade e apoio solidário em abrigo até que tal indivíduo conseguisse trabalho e assim auxiliasse a outros. Se alguém estivesse de passagem, a hospitalidade instruía a proporcionar alimento até o próximo destino.
42  Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; 43  sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me. 44  E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos? 45  Então, lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.Mt.25.42-45.
5. CAIXA COMUNITÁRIA:
A caixa comunitária (deposita pietatis) era outra característica de solidariedade cristã que proporcionava apoio e conforto material e espiritual. Tal gesto consistia em uma partilha voluntária dos bens ocorrida nos ágapes pela administração dos diáconos para a grande maioria de cristãos que se constituía da classe mais pobre da sociedade (patrimonium pauperum) como: escravos, diaristas, artesãos e mendigos. Basicamente seu propósito destinava a nutrir e sepultar os pobres, órfãos, viúvas, escravos anciãos, náufragos, encarcerados ou aqueles que foram prejudicados de alguma forma pela perseguição da fé.
Em concordância com a caixa comunitária estava às coletas que servia como fundo recolhido para auxílios específicos ocorridos entre cristãos ou entre comunidades como sinal de favor e apoio em unidade. Assim ocorreu a coleta no tempo do apóstolo Paulo com assistência das igrejas de origem gentílica aos irmãos de origem judaica
1  Pois quanto à ministração que se faz a favor dos santos, não necessito escrever-vos; 2  porque bem sei a vossa prontidão, pela qual me glorio de vós perante os macedônios, dizendo que a Acaia está pronta desde o ano passado; e o vosso zelo tem estimulado muitos… 5  Portanto, julguei necessário exortar estes irmãos que fossem adiante ter convosco, e preparassem de antemão a vossa beneficência, já há tempos prometida, para que a mesma esteja pronta como beneficência e não como por extorsão. 6  Mas digo isto: Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e aquele que semeia em abundância, em abundância também ceifará, 7  Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, nem por constrangimento; porque Deus ama ao que dá com alegria. 8  E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra; 9  conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre.
10  Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, e pão para comer, também dará e multiplicará a vossa sementeira, e aumentará os frutos da vossa justiça. 11  enquanto em tudo enriqueceis para toda a liberalidade, a qual por nós reverte em ações de graças a Deus. 12  Porque a ministração deste serviço não só supre as necessidades dos santos, mas também transborda em muitas ações de graças a Deus; 13  visto como, na prova desta ministração, eles glorificam a Deus pela submissão que confessais quanto ao evangelho de Cristo, e pela liberalidade da vossa contribuição para eles, e para todos; 2 Co.9.1,2,5-13.
6. ÓRFÃOS E VIÚVAS.
De fato, no início da era cristã, a criança, em sentido geral, se encontrava numa situação de grande vulnerabilidade. Crianças não desejadas e as nascidas fora do matrimônio eram enjeitadas . De acordo com este costume, amplamente difundido na Grécia e no Império Romano, as crianças eram, em grande medida, descartáveis.
Evidentemente, muitas das crianças abandonadas morriam. Outras eram criadas para serem escravas. Os rapazes eventualmente eram obrigados a se tornarem gladiadores e as moças eram exploradas na prostituição.
Os órfãos, dada a sua vulnerabilidade, são recomendados ao cuidado da comunidade. A sua sobrevivência fora do cristianismo praticamente era possível apenas na prostituição ou na escravidão.
Neste contexto, a comunidade cristã, além de sustentar e educar órfãos, providenciava novos pais para órfãos cristãos . Portanto, praticava-se a diaconia da adoção. Orígenes (falecido em 253/4) foi adotado por uma mulher cristã. Também filhos de mártires foram adotados.
Mais uma categoria de pessoas que recebeu ajuda das comunidades cristãs no período da Igreja Antiga são as viúvas, por causa da sua vulnerabilidade. Elas, via de regra, são mencionadas ao lado dos órfãos.
“A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo”.Tg.1. 27
7. O SEPULTAMENTO:
Outra atitude solidária assumida pelo cristianismo primitivo como um dever comunitário estava no sepultamento, a começar pelos sepultamentos cristãos, onde cristãos abastados cediam seus jazigos familiares aos irmãos na fé.
57  Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, que também era discípulo de Jesus. 58  Esse foi a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe fosse entregue. 59  E José, tomando o corpo, envolveu-o num pano limpo, de linho, 60  e depositou-o no seu sepulcro novo, que havia aberto em rocha; e, rodando uma grande pedra para a porta do sepulcro, retirou- se. Mt.27.57-60.
Com o tempo e em decorrência disto, esta caridade passou a abranger o sepultamento dos não-cristãos, cujos defuntos se encontravam na pobreza ou abandono. Tal postura em cuidado com os mortos se dá pelo entendimento que cada ser humano é conforme a imagem de Deus sendo, portanto, merecedor de um sepultamento digno. Depois veio também o zelo e cuidado com cemitérios e outras atitudes de respeito aos mortos cuja mentalidade cristã representa o ingresso e descanso numa vida porvir.
8. O TESTEMUNHO DA DIACONIA:
O testemunho da diaconia à sociedade se deu no início da Igreja como forma diferencial indiscutível e valorosa de evangelização e demonstração de fraternidade em fé como manifestação visível do Reino de Deus.
Tal testemunho transformador através do auxílio recíproco entre os “fiéis” e solidariedade entre os “não fiéis” chamou a atenção, admirou e impactou o mundo naquela época dando igualdade de valor aos pobres, escravos, mulheres, crianças, enfermos e excluídos. Logo, esta atitude filantrópica proporcionou mudanças significativas na forma como as pessoas tinham que lidar com o sofrimento e necessidades.

APLICAÇÃO

Particularmente fiquei muito comovido com este material, pois não imaginava a importância e poder da solidariedade como fonte de crescimento da Igreja Cristã nos primeiros séculos.
Assim faço de minhas impressões o sentimento do imperador Juliano sobre este assunto: “O êxito dos cristãos se devia a isto. Ele escreve: “Será que não entendemos que o ateísmo (= cristianismo) foi promovido de modo mais eficiente pelo humanitarismo (dos cristãos) para com os estranhos e pelos cuidados (dos cristãos) com os enterros dos mortos?”
Bem-aventurado o que acode ao necessitado; o SENHOR o livra no dia do mal. 2  O SENHOR o protege, preserva-lhe a vida e o faz feliz na terra; não o entrega à discrição dos seus inimigos. 3  O SENHOR o assiste no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama. Sl.41.1-3.
(UMA NOTA DE ESCLARECIMENTO QUANTO A PRÁTICA DA  I.C.A.R.)

CONCLUSÃO.

Penso que boa parte daquilo que conhecemos como extraordinário crescimento da Igreja nos primeiros séculos se deu pelo fato dos mesmos cristãos terem consciência do valor da solidariedade como forma de expressão genuína e testemunho de fé.
Cujos resultados não somente engrossou as fileiras daqueles que abraçavam uma nova postura de relacionamento com Deus, mas também de relacionamento com o próximo.

APELO.

Quantos desejam se dispor ao Senhor a fim de praticar a sua fé através do amor solidário?

Material extraído de Conteúdo: GAEDE Neto, Rodolfo. Diaconia e cuidado: testemunhos dos primeiros séculos do cristianismo, São Leopoldo, EST.